Uso da DSC em pré-formulação farmacêutica

Por: Josiane Souza Pereira Daniel, em 15 de outubro de 2019.

Uma etapa importante de um estudo de pré-formulação envolve o estudo do comportamento do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) na presença dos outros componentes que farão parte da formulação final do medicamento. 

Esses componentes, chamados excipientes, estabelecem as características primárias do produto farmacêutico e contribuem para a forma física, textura, estabilidade, sabor e aparência geral. A associação IFA-excipiente pode causar principalmente dois tipos de interações: físicas ou químicas. 

Nas interações físicas pode ocorrer transição polimórfica do IFA, solubilização do IFA pelo excipiente ou interações intermoleculares entre os grupos funcionais das várias substâncias. Essas interações podem não ser consideradas incompatibilidades, dependendo do efeito que causarem na eficácia do produto final. 

Nas interações químicas, no entanto, podem ocorrer reações químicas entre o IFA e os excipientes que causam degradação do IFA e a formação de novos produtos ou impurezas de degradação. Nesse caso, há uma incompatibilidade entre substâncias. 

Interações químicas e físicas podem ocorrer durante a fabricação ou armazenamento de medicamentos, e essas interações podem resultar em alterações na qualidade, segurança e eficiência do produto final. Portanto, estudos de compatibilidade entre excipientes e IFAs são essenciais para decidir quais excipientes devem ser usados em uma nova formulação ou ao reformular um produto existente.

O DSC (do inglês Differential Scanning Calorimetry - Calorimetria Exploratória Diferencial) é uma ferramenta importante, de baixo custo e útil para obter rapidamente informações sobre as possíveis interações entre os componentes de uma formulação. 

Durante a análise, a diferença entre a energia cedida a uma amostra e a um material de referência é registrada em função da temperatura. À medida que o programa de temperatura é executado, e enquanto nenhuma alteração físico-química acontece com a amostra, o calor cedido para a amostra é igual ao cedido para a referência. 

Dessa forma o software do equipamento gera como resultado uma linha de base na curva térmica. Quando ocorre um evento endotérmico (por exemplo, fusão da amostra), a amostra passa a receber mais energia do que a referência, o que causa uma alteração na linha de base, gerando um pico. 

Quando ocorre um evento exotérmico, em que a amostra libera calor (por exemplo, reação de decomposição), o fornecimento de energia para a amostra é menor do que para a referência, o que gera um pico na curva térmica em sentido oposto ao da reação endotérmica. O sentido dos picos endo e exotérmico varia de acordo com o equipamento utilizado.

A curva DSC fornece informações sobre a temperatura de fusão do IFA, que está relacionada à temperatura na qual o pico começa a se formar; sobre a entalpia de fusão, que está relacionada com a área do pico de fusão; além de informações sobre transições polimórficas, em que pode ocorrer uma mudança na capacidade calorífica da amostra, chamada de transição vítrea (Tg), caracterizada por uma alteração da linha de base. 

Ao analisar um fármaco puro em determinada forma cristalina, obtém-se valores de temperatura e entalpia de fusão característicos desse composto, nessa forma. 

As interações IFA-excipientes são avaliadas de acordo com o surgimento, alteração ou desaparecimento dos picos endotérmicos ou exotérmicos e variações nos valores correspondentes de entalpia nas curvas térmicas das misturas IFA-excipientes, comparadas com as curvas dos componentes puros.

No entanto, os dados térmicos devem ser interpretados com cuidado para evitar conclusões errôneas, uma vez que as altas temperaturas utilizadas na análise podem provocar interações que não seriam observadas à temperatura ambiente. 

Além disso, é necessário averiguar se as alterações encontradas se tratam de interações físicas ou químicas. Por isso, o DSC é comumente utilizado em associação com outras técnicas analíticas, como Infravermelho e Cromatografia. 

Dessa forma, o DSC é uma importante ferramenta de triagem para excipientes. Pois aqueles que não interagem com o fármaco nas temperaturas elevadas de análise, também não serão incompatíveis em temperatura ambiente, e podem ser utilizados com segurança. Enquanto aqueles que apresentam interação no DSC precisam ser melhor investigados.

A figura abaixo apresenta em a) as curvas térmicas do fármaco risperidona juntamente com as curvas de mais 5 excipientes, e em b) as curvas térmicas de misturas binárias entre a risperidona e cada excipiente respectivamente. 


Chamo a atenção para as curvas das misturas com lactose anidra e estearato de magnésio, que apresentam alterações visuais no pico referente à risperidona. No artigo original*, é possível verificar que essas amostras, além da mistura com celulose microcristalina, apresentaram entalpia de fusão reduzida para a risperidona. 

Análises complementares por termogravimetria, infravermelho e HPLC foram realizadas nessas amostras e constataram a ocorrência de incompatibilidades. Enquanto os outros excipientes foram considerados compatíveis.

*Obs: O artigo citado é de minha autoria, e está disponível no meu perfil, em "Conquistas > Publicações > Risperidone – Solid-state characterization and pharmaceuticalcompatibility using thermal and non-thermal techniques".

Sobre a Autora: 

Josiane Souza Pereira Daniel é farmacêutica, com mestrado em Química Analínica e Doutorado em Ciências Farmacêuticas, nos quais desenvolveu projetos na área de pré-formulação farmacêutica e desenvolvimento analítico.