Um breve resumo sobre o processo de atualização do marco regulatório de BPF

Por Maiara Rigotto, em 22 de agosto de 2019.

Como todos já devem saber, nesta semana durante a 19ª Reunião Ordinária Pública da Diretoria Colegiada da Anvisa foram deliberados e aprovados por unanimidade os textos que compõe o novo marco regulatório de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Medicamentos no Brasil.

Os textos aprovados estão organizados sob a forma de uma Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) principal, onde constam os conceitos básicos de BPF esperados pela Anvisa e mais 14 Instruções Normativas (IN) complementares, que subsidiam de forma mais detalhada, questões específicas as serem seguidas por determinadas categorias de produtos ou atividades abrangidas dentro do contexto da fabricação (p. ex. amostragem, qualificação, validação, etc).

Adicionalmente, um documento Perguntas & Respostas contendo todos os esclarecimentos às dúvidas encaminhados para a Anvisa durante o processo de consulta pública também foi disponibilizado, a fim de permitir uma interpretação mais padronizada da norma por seus usuários.

Este Perguntas & Respostas será dinâmico, e deverá ser atualizado periodicamente, com a inclusão de novos itens sempre que identificada uma nova dúvida recorrente.

Todos os textos (RDC e INs) foram publicados no Diário Oficial da União (DOU) de hoje, 22/08/2019 e entrarão em vigor no dia 06/10/2019 ou seja daqui a 45 dias.

Da motivação

O marco regulatório base vigente no Brasil para Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos é a RDC nº 17/2010, o qual tem como referência o Guia da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado através do Relatório nº 37 (Technical Report Series - TRS nº 908) de 2003. Ou seja, um documento com pelo menos 16 anos de existência.

O fato de tal Guia OMS já ter sido atualizado pelo menos duas vezes (em 2011 em 2014) sem a efetiva internalização destas alterações na regulamentação brasileira – e tampouco pelo Mercosul (Resolución Grupo Mercado Común GMC nº 15/2009) -, resultava, segundo a Anvisa, na aplicação de uma norma defasada durante seus processos de inspeção de rotina.

Não podemos esquecer ainda, que não apenas a RDC nº 17/2010 encontrava-se desatualizada, mas também outros importantes regulamentos de BPF vigentes, com destaque para a RDC nº 46/2000 (Produção e Controle de Qualidade de Hemoderivados de Uso Humano) e a RDC nº 8/2001, (BPF do Concentrado Polieletrolíticos para Hemodiálise - CPHD), ambas com quase 20 anos de vida.

Além destas, outras duas normas de BPF já estavam em processo de revisão: a RDC nº 69/2008, (BPF de Gases Medicinais) e a RDC nº 63/2009, (BPF de Radiofármacos); e outra ainda foi identificada como ‘desnecessária’ uma vez que não possuía até o momento nenhuma empresa certificada em seu escopo: a RDC nº 13/2013, (BPF para produtos tradicionais fitoterápicos).

Conforme relatório emitido pela Anvisa, a aplicação de requisitos desatualizados não apenas gera dificuldades às empresas fabricantes localizadas em território nacional, que desejam expandir para mercados internacionais mais maduros, como também dificulta o processo de adesão do Brasil ao Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêuca (PIC/s: Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme), referência internacional do assunto e que já conta com a participação de 47 países membros.

Sendo assim, a publicação do novo marco regulatório, através da RDC nº 301/2019 e de suas Instruções Normativas, aprimora o arcabouço regulatório, uma vez que ‘diminui’ o estoque regulatório consolidando os entendimentos gerais de BPF em um único texto RDC, com a vinculação de Instruções Normativas específicas para diferentes tipos de produtos/processos, as quais gozarão de procedimentos facilitados para suas revisões quando necessárias no futuro.

Do processo de Consulta Pública

Mesmo antes das minutas de texto serem colocadas em consulta pública oficialmente, a Anvisa já havia iniciado rodadas de discussão com representantes do setor regulado, para a exposição da necessidade de revisão do marco.

Neste primeiro momento além dos Guias PIC/s terem sido compartilhados para que as indústrias farmacêuticas avaliassem o impacto de sua adoção, também foi realizado um encontro técnico do tipo “Diálogo Setorial” para a apresentação e discussão da proposta a grupos de trabalho específicos.

Já no próprio documento orientador da consulta pública, a Agência deixava explícito que, por tratar-se de internalização de guias reconhecidos internacionalmente, não era sua intenção permitir quaisquer alterações do texto que pudessem resultar em divergências aos Guias PIC/s.

Sendo assim, o processo foi iniciado com as orientações de que basicamente seria possível opinar em 3 situações:
  1. Quando identificado algum ponto com tradução inadequada para o português;
  2. Quando identificado algum requisito novo para o qual a adequação fosse impossível no prazo estipulado;
  3. Quando identificada a necessidade de adoção de algum requisito divergente do proposto para garantir o nível apropriado de proteção à saúde. (Neste último caso, justificativa técnica detalhada deveria ser provida junto com a demanda).
Também foi estabelecido um canal para o envio de dúvidas o qual permitiu que concomitantemente ao processo de consulta pública e à consolidação final das contribuições, fosse também elaborado um documento Perguntas & Respostas robusto para disponibilização ao setor.

Desta forma, capitaneada pela Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS), na figura de seu gerente geral, Ronaldo Gomes, esta CP que contou com aspectos inovadores quanto ao processo de contribuições, foi considerado um sucesso uma vez que, mesmo com a amplitude e relevância do tema, a quantidade de contribuições recebidas e de reuniões realizadas, foi possível conduzí-la, consolidá-la e publicá-la em apenas 3 meses*.

Destaques do novo texto**:

Após a consolidação final das contribuições recebidas, foi realizada uma última apresentação da minuta final ao setor regulado, discorrendo em maiores detalhes sobre as disposições transitórias inseridas a pedido. Dentre as principais, destaco:

  • Inserção de dispositivo de não aplicabilidade para alguns requisitos de instalação em plantas produtoras de gases medicinais, uma vez que estas possuem natureza e características distintas daquelas que classicamente fazem parte de uma área ‘limpa’ farmacêutica. (Art. 368)
  • Inserção de prazos de forma escalonada para a apresentação de avaliações toxicológicas, agora necessárias para a decisão quanto ao compartilhamento de produtos farmacêuticos em áreas produtivas. A abertura da possibilidade de compartilhamento entre produtos de forma abrangente (com apenas algumas restrições, p.ex. anéis beta-lactâmicos) introduzida pelo novo texto representa um benefício para as indústrias, mas que depende diretamente de uma contrapartida: a apresentação de avaliações toxicológicas robustas. (Art. 369)
  • Inserção de prazo para que empresas capitulem informações referentes à rastreabilidade da cadeia de suprimentos de insumos utilizados em medicamentos já registrados. (Art. 370)***
  • Inserção de prazo para o cumprimento do requisito de ‘controle on-line’ dos produtos durante as etapas de embalagem primária e secundária. Para este ponto, ficou aberta a discussão sobre a inclusão em documento Orientador/Perguntas & Respostas de situações nas quais poderia ser possível solicitar a exceção para o cumprimento deste item. (Art. 371)
  • Adicionalmente, durante a leitura do relatório final da consulta pública pelo diretor relator Fernando Mendes, informou-se sobre a inclusão no texto final da norma de importante dispositivo que permitirá tratativa diferenciada aos Insumos Farmacêuticos Ativos Atípicos, ou IFAAs. (Art. 376). Tais produtos dificilmente são encontrados no mercado sob forma de ‘grau farmacêutico’ e seus fabricantes muitas vezes não estão sujeitos às regras de BPF esperadas para IFAs. Sendo assim, a fim de não impossibilitar o mercado, tanto para produtos já estabelecidos, como para aqueles que por exemplo sofrem reenquadramentos de categoria, a partir da vigência desta normativa será possível a aquisição de IFAAs destes fornecedores, desde que sejam apresentadas as devidas comprovações de que o produto não é comercializado no grau farmacêutico, e também das devidas avaliações de gerenciamento de risco pertinentes.

* Não considera o período 'pré-consulta'.

** Outros itens específicos para cada IN publicada também foram discutidos durante as reuniões, porém não estão contemplados neste texto.

*** Possível republicação para correção de texto.

Todos os textos que compõe o novo marco regulatório podem ser acessados abaixo: