Por: Max Sherman, em 29 de setembro de 2019*
Este artigo discute o valor da curiosidade humana na aprendizagem, para uma vida significativa e como uma ferramenta importante para o sucesso profissional. O autor analisa vários livros sobre curiosidade que descrevem por que somos curiosos, explicando os diferentes tipos de curiosidade e sugerindo o que podemos fazer para não perder nossa curiosidade com o passar dos anos.
Introdução
Enquanto trabalhava para uma empresa de dispositivos médicos, frequentemente tive a oportunidade de entrevistar novos candidatos a vagas de emprego. Um questionamento que eu sempre fazia, era sobre quais livros o candidato já havia lido ou estava lendo. Hábitos de leitura indicam quão inquisitivo é um indivíduo, e demonstram sua dedicação ao aprendizado contínuo, sendo que uma pessoa inquisitiva é mais apta a ser contratada.
De acordo com a literatura, pessoas com fortes traços de curiosidade são geralmente mais criativas e melhores em solucionar problemas. Evidências recentes sugerem que pessoas curiosas estão mais qualificadas para preencher e aprender novas habilidades de maneira mais rápida.
Além disso, quanto mais curiosos somos sobre um tópico, mais fácil para aprendermos sobre ele. Um artigo recente, "From Curious to Competent” (“De curioso a competente"), publicado na Harvard Business Review, observou que a curiosidade, definida como uma propensão à busca de novas experiências, conhecimentos e feedback, talvez seja a mais importante de todas as qualificações profissionais(1).
Embora a definição pareça estar completa, cientistas tem diferentes visões sobre o assunto e investigam a curiosidade e os seus efeitos desde o século XIX(2). Embora com o tempo, uma definição de trabalho tenha sido dada como "um estado de unidade para obter informações", uma definição científica para o que é curiosidade ainda está em debate.
Novas pesquisas indicam que pessoas curiosas fornecem uma ampla gama de benefícios aos empregadores. Por exemplo, funcionários curiosos provavelmente cometem menos erros na tomada de decisões. Eles também estão menos aptos a utilizar o ‘confirmation bias” (que significa buscar por informações que corroborem com suas crenças ao invés de buscar evidências que demonstrem que elas possam estar erradas) ou ainda a ‘estereotipar’ pessoas (através de pré-julgamentos).
Pessoas curiosas veem situações difíceis de maneira mais criativa. Estudos demonstram que a curiosidade está associada a menos reações defensivas ao estresse, e menos agressivas à provocação. No geral, a curiosidade natural está associada a um melhor desempenho no trabalho.
Os funcionários curiosos fazem mais sugestões construtivas para implementar soluções que possam criativamente solucionar problemas existentes no local de trabalho(3). Portanto, cabe às empresas cultivar a curiosidade de seus funcionários em todos os níveis, bem como valorizar as mentes curiosas. Assim, quando acionados, os colaboradores irão pensar mais profundamente e racionalmente.
Como mencionado acima, quanto mais curiosos formos sobre um tópico, mais fácil será aprendermos sobre ele. Esta descoberta tem implicações de longo alcance, revelando como a curiosidade afeta a memória e melhora o aprendizado, tanto na sala de aula quanto no local de trabalho.
Quando a curiosidade é estimulada, existe um aumento da atividade cerebral na área relacionada à ‘recompensa’, que é dependente de dopamina, um mensageiro químico que transmite mensagens entre os neurônios. As interações entre este sistema de recompensa e o hipocampo colocam o cérebro em um estado que faz com que a pessoa tenha maior probabilidade de aprender e reter informações(4).
Curiosidade na Vida
A curiosidade também pode estar relacionada a ter uma vida mais gratificante. De acordo com Todd Kasdan, em seu livro “Curious? Discover the Missing Ingredient to a Fulfilling Life” (“Curioso? Descubra o ingrediente que falta para uma vida completa”), a curiosidade é o "ingrediente central" para viver uma vida completa(5). Kasdan afirma que a curiosidade nada mais é do que aquilo que sentimos quando atingimos algo novo.
A curiosidade chama a nossa atenção para coisas interessantes e desempenha um papel crítico na busca de uma vida significativa. Trata-se de como nos relacionamos com nossos pensamentos e sentimentos; não apenas SE prestamos atenção, mas COMO prestamos atenção ao que está acontecendo no presente.
Somente no presente podemos nos dar ao luxo de fazer o que queremos; é um momento único onde somos verdadeiramente livres.
Quando estamos curiosos, exploramos esses momentos "estando lá", sentindo o que está acontecendo, independentemente de como ele possa divergir do que parecia ser antes, bem como de como esperamos que seja no futuro. Existe uma forte correlação entre curiosidade e "atenção plena".
Tipos de Curiosidade
Existem vários tipos de curiosidade. A "curiosidade perceptiva" é gerada por extremos, por novos, ambíguos ou intrigantes estímulos e é motivada pela inspeção visual. A curiosidade perceptiva geralmente diminui com a exposição contínua. O oposto da curiosidade perceptiva é a "curiosidade epistêmica", que é o verdadeiro desejo de conhecimento (o ‘apetite por conhecimento’ que é um termo do filósofo Immanuel Kant)(6).
A curiosidade tem sido o principal motor de toda pesquisa científica básica e investigação filosófica, e é a força mais provável que impulsiona as primeiras missões espirituais. O filósofo do século XVII, Thomas Hobbes, apelidou a curiosidade de "luxúria da mente", acrescentando que "por uma perseverança de deleite na geração contínua e indefinida de conhecimento" transcende "a curta veemência de qualquer prazer carnal", sendo que entregar-se a ela só deixa você querendo mais(7).
"Curiosidade específica" reflete o desejo de uma parte particular ou específica de informação. Como por exemplo, tentar resolver palavras cruzadas ou lembrar o nome de um filme que você viu na semana passada. Curiosidade específica pode levar os investigadores a examinar problemas distintos, a fim de entender melhor e identificar soluções potenciais.
Por fim, "curiosidade diversificada" refere-se ao desejo inquieto de explorar e buscar um estímulo novo para evitar o tédio. Hoje, esse tipo de curiosidade pode se manifestar na constante verificação de novas mensagens de texto ou e-mails ou em impaciência em aguardar por um novo modelo de smartphone. Às vezes, curiosidade diversificada pode levar à curiosidade específica onde o comportamento de busca de novidades pode alimentar um interesse específico(8).
Cultivando a Curiosidade
A maioria das crianças é naturalmente curiosa, até a ponto de colocarem a si mesmas em perigo. A curiosidade é única para os seres humanos, começando praticamente no nosso nascimento, mas geralmente sendo perdida à medida que envelhecemos.
De acordo com Ian Leslie em seu livro "Curiosity", o desafio de não perder a curiosidade é encontrar novas formas de nos manter com ‘fome’ para aprender, questionar e criar(9). Uma maneira é despertar o interesse de uma pessoa em algum tópico.
Pais geralmente tem essa oportunidade várias vezes por dia. Uma vez que a curiosidade é estimulada, há um aumento de atividade cerebra nas áreas ligadas à recompensa, que permite ao cérebro aprimorar o aprendizado e reter informações.
Ensinando colaboradores a serem curiosos
Se a sua empresa deseja incluir a “curiosidade” como parte de um treinamento, o website educacional “Edutopia,” sugere várias formas de estimular o caráter inquisitivo de funcionários, incluindo:
- valor e recompensa curiosidade
- ensine-os a fazer perguntas de qualidade
- ensine o ceticismo fazendo com que os participantes que se perguntem "por que" com mais frequência e solicitem evidências adicionais antes de aceitar as alegações de alguém como verdadeiras
- incentive os funcionários a melhorar situações
- crie oportunidades para indivíduos mais e menos curiosos trabalharem juntos na aprendizagem baseada em projetos(10)
Últimas considerações
Pela simples razão de que empregadores estão sempre procurando pessoas que façam mais do que simplesmente seguir procedimentos com competência ou responder a solicitações, os verdadeiramente curiosos estarão cada vez mais em demanda.
Todos nós podemos aprender com Albert Einstein, que disse não ter outros talentos especiais além de ser um curioso apaixonado(11). Felizmente, em uma sociedade livre, ninguém pode nos impedir de aprender e não há limites para a busca do conhecimento.
Referências
- Fernandez-Araoz C, et al. From Curious to Competent. Harvard Business Review. Sept-Oct. 2018.
- Kidd C and Hayden BY. “The Psychology and Neuroscience of Curiosity.” Neuron. 2015;88(3):449. DOI: 10.1016/j.neuron.2015.09.010.
- Hardy JH, et al. “Outside the box: Epistemic Curiosity as a Predictor of Creative Problem Solving and Creative Performance.” Personality and Individual Differences. 2017;104:230. DOI: 10.106/j.paid2016.08.004.
- Matthias J, et al. “States of Curiosity Modulate Hippocampus-Dependent Learning via the Dopaminergic Circuit.” Neuron. 2014. DOI:20.1016/j.neuron.2014.08.060.
- Kasdan, T. Curious? Discover the Missing Ingredient to a Fulfilling Life. Harper Collins, New York, 2009.
- Ibid.
- Op cit 2.
- Livio, M. Why? What Makes us Curious. Simon & Schuster, New York, 2017.
- Leslie, I. Curious. Basic Books, New York, 2014.
- Marilyn Price-Mitchell M. “Curiosity: The Force Within a Hungry Mind.” February 2015. Edutopia website. https://www.edutopia.org/blog/8-pathways-curiosity-hungry-mind-marilyn-price-michell. Accessed 9 July 2019.
- Op cit 5.
Sobre o Autor:
Max Sherman é um profissional de assuntos regulatórios aposentado, que contribui há mais de duas décadas para a Regulatory Focus e é autor do livro recentemente publicado, intitulado “Eclectic Science and Regulatory Compliance: Stories for the Curious”. O livro contém 36 ensaios, dos quais a maioria consta no no Regulatory Focus. Em 2012, a Regulatory Affairs Professional Society (RAPS) publicou "From Alzheimer's to Zebrafish: Eclectic Science and Regulatory Stories.” Sherman também é editor da primeira (2015) e segunda (2018) edições do "The Medical Device Validation Handbook". Ele pode ser contatado em maxsherman339@gmail.com.
*Tradução autorizada pelo autor em 27.09.2019.
Reprodução do texto original: Sherman M. “Curiosity. One of Life’s Most Valuable Commodities.” Regulatory Focus. Julho 2019. Regulatory Affairs Professionals Society. Disponível em: https://www.raps.org/news-and-articles/news-articles/2019/7/curiosity-one-of-lifes-most-valuable-commodities.
Reprodução do texto original: Sherman M. “Curiosity. One of Life’s Most Valuable Commodities.” Regulatory Focus. Julho 2019. Regulatory Affairs Professionals Society. Disponível em: https://www.raps.org/news-and-articles/news-articles/2019/7/curiosity-one-of-lifes-most-valuable-commodities.